Por Ricardo Setti
No próximo dia 28, em São Paulo, a maior e
mais importante cidade do Brasil, não estará sendo apenas eleito um novo
prefeito, escolhido entre José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT).
Estará em jogo, mais que isso, decidir se o
PT prosseguirá, ou não, com seu projeto hegemônico, de "cristinakirchnerização"
da vida pública brasileira, de ocupar com seus quadros todos os espaços
possíveis, de tornar difícil, se conseguir, a vida da imprensa livre, de
permanecer no poder custe o que custar, mesmo depois do mensalão.
Estará em jogo, em última instância,
uma fatia importante da democracia brasileira.
O tucano José Serra, então, é um novo
Messias? É o melhor candidato da história da República? É um super-herói sem
máculas que barrará o avanço dos malvados vilões da fita?
O petista Fernando Haddad, por sua vez, seria
o demônio personificado? Um troglodita político que esmagará a porretadas as
liberdades públicas, de seu gabinete no Viaduto do Chá?
Nada disso, é claro.
Serra tem qualidades que o ódio de seus
inimigos não reconhece: enorme experiência, um saldo muito positivo como
secretário do Planejamento do governador Franco Montoro (1983-1987), como um
dos deputados mais ativos da Constituinte, um senador profícuo, um ministro da
Saúde que marcou época, um prefeito efêmero, mas eficaz, da cidade de São
Paulo, um excelente governador do Estado durante três anos e meio.
Tem defeitos? Deus sabe que sim: é
excessivamente centralizador, não ouve quase ninguém, deveria ser menos
arrogante e ter mais respeito pelos adversários (e, às vezes, pelos próprios
aliados), ostenta um péssimo humor que não ajuda em nada suas tarefas.
Pesam contra ele acusações? Sim, pesam, a
começar pela tal história do tal Paulo Preto. Mas não custa lembrar que o PT
está há dez anos no poder, há dez anos tem o Ministério da Justiça, há dez anos
manda na Polícia Federal. Se trabalharmos com fatos, a pergunta é obrigatória:
onde estão as investigações, ou sequer os indícios de qualquer irregularidade?
Haddad é um quadro novo, relativamente jovem
(além de não aparentar seus 49 anos) e promissor do PT. Professor da USP,
bacharel, mestre e doutor e, diferentemente da maioria dos graduados petistas
trabalhou, sim, na iniciativa privada, e ainda mais no setor financeiro. Já
está na vida pública há 11 anos, com passagem pela área de economia e
planejamento tanto na Prefeitura de São Paulo como trabalhando com o ministro
da Fazenda, Guido Mantega. Seus sete anos como ministro da Educação do lulalato
e de Dilma foram um período de altos e baixos, e o saldo, a despeito de seus
esforços, não passou de medíocre e controvertido.
O problema não está em Haddad, cujas
qualidades incluem a afabilidade pessoal e o bom trato com assessores e
subordinados.
O problema é o projeto de que Haddad
– por força do dedazo de Lula, que o empurrou como candidato goela abaixo do
PT paulistano - faz parte.
Haddad, que Lula levou pela mão no humilhante e outrora absolutamente
inimaginável peregrinação até a casa de Paulo Maluf, quando vendeu mais
uma parte da alma do PT em troca e menos de 2 minutos de tempo na TV.
O projeto de Lula, que é também…
* o projeto de comprar o Congresso
com dinheiro sujo, e
subordiná-lo ao Executivo,
* o projeto de José Dirceu, do "bater
neles nas urnas e nas ruas",
* o projeto de que cooptou quase todo
o leque partidário à custa de cargos, vantagens e tudo o que antes se criticava
da "velha política" brasileira
no afã de alcançar, dispor de e manter o poder até onde a vista alcança,
* o projeto de um "núcleo duro" que,
com raríssimas exceções, nunca escondeu seu desprezo pela "democracia
burguesa",
* o projeto de Rui Falcão, aquele que, embora membro dela desde sempre,
denuncia "a elite" e ofende o Supremo Tribunal Federal ao incluí-lo
entre a oposição "conservadora, suja e reacionária",
* o projeto da turma de Franklin
Martins, que ressurge dentro do PT querendo o "controle social" da imprensa,
sinônimo de calar a imprensa livre,
* o projeto dos que consideram as
consideram as condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal a mensaleiros
e ladravazes como um "golpe" da oposição - coitadinha dela - e da imprensa, um improvável e espantoso golpe
contra um EX-presidente, não aceitando as regras mais elementares da democracia
e do Estado de Direito,
* o projeto de quem, propositalmente, martela nos
ouvidos da opinião pública que quem se opõe aos desígnios do PT "é
contra o Brasil" - como fazia a ditadura militar com o "ame-o ou deixe-o",
* o projeto de quem esvaziou,
desmoralizou e politizou as agências reguladoras - criadas para serem entes de Estado, e não de
governo, com padrão e ação técnicos -, distribuindo-as como moeda de troca
entre partidos,
* o projeto de quem inchou com milhares de
militantes partidários os quadros da administração pública,
* o projeto de quem distribuiu cargos
gordíssimos e bem remunerados em conselhos de estatais e de fundos de
pensão de funcionários de estatais a sindicalistas "companheiros"
- não pela competência, mas pela afinidade ideológica,
* o projeto de quem prestou, e em menor grau
ainda continua prestando, seguidas homenagens a regimes párias como o
de Cuba e o do Irã, e estende tapete vermelho a demagogos autoritários
como Hugo Chávez ou governantes que pisam nos interesses brasileiros, como Evo
Morales,
* o projeto de quem tratou os
narco-terroristas das chamadas "Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia", as
Farc, como grupo político no cenário colombiano, e não como os bandidos,
sequestradores e assassinos que são, tendo por eles mais consideração
do que com os governos democráticos, mas "de direita", de Bogotá,
* o projeto de quem envergonhou o
Brasil se abstendo de condenar, na ONU, regimes que pisoteiam os direitos
humanos, concedendo prioridade em desferir caneladas em aliados
ocidentais, a começar pelos Estados Unidos,
* o projeto de quem, qual república
de bananas, abriu generosamente os braços ao terrorista e assassino Cesare
Battisti, concedendo-lhe o
status de refugiado político e ferindo os brios de uma democracia exemplar como
a Itália, país amigo e terra dos ancestrais de mais de 30 milhões de
brasileiros,
* o projeto de quem, na oposição, por
décadas se opôs sistematicamente, por razões ideológicas, a medidas que
beneficiavam o Brasil, de tal
forma que nada que a atual oposição faça possa nem de longe lembrar o
comportamento deletério e derrotista manifestado por Lula e o lulo-petismo ao
longo de sucessivos governos,
* o projeto a que resiste, como uma
rocha, há 18 anos, o eleitorado do Estado de São Paulo, acompanhado há menos tempo pelos eleitores Minas
Gerais e, aqui e ali, pelo de Estados como o Paraná, o Pará e Goiás, razão
pela qual a conquista da cidade de São Paulo é vista como um passo importante
para "descontruir" a administração tucana do Estado e tentar abocanhá-lo em
2014.
Quase todo mundo sabe, mas, como nossa
memória é curta, e a memória de boa parte dos lulo-petistas extremamente
seletiva, vale lembrar que Lula e sua turma, entre outros episódios que vou
deixar de lado…
*… foram contra a eleição de Tancredo
Neves como presidente da República em 1985, ato que encerraria a ditadura militar, dando lugar a
um regime civil que restauraria as liberdades públicas e a democracia. Os então
deputados petistas que votaram em Tancredo - Ayrton Soares (SP), Bete Mendes
(SP) e José Eudes (RJ) - foram expulsos do partido.
*… não participaram da solenidade de
homologação da nova Constituição democrática, a 5 de outubro de 1988, e deixaram claras suas
"ressalvas" ao texto aprovado por todos os deputados e senadores de todos os
partidos.
Os petistas assinam a nova Constituição,
porque era uma formalidade inescapável, mas o próprio Lula, então deputado
constituinte, pronunciou um longo discurso 12 dias antes da promulgação, a 23
de setembro de 1988, dizendo, com todas as letras: "O partido [PT]
vota contra o texto, e amanhã, por decisão do nosso Diretório - decisão
majoritária p assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento
formal da sua participação nessa Constituinte".
* … defenderam em 1989 o calote da
dívida externa brasileira, com
Lula candidato à Presidência - seria derrotado no segundo turno por Fernando
Color -, medida que levaria o Brasil à bancarrota e à desegraça, faria secar os
investimentos externos por tempo indeterminado e transformaria o país em pária
internacional.
* … recusaram-se num momento de
gravíssima crise institucional, no final de 1992, a colaborar com o vice Itamar
Franco, que assumiu em
definitivo a Presidência com o afastamento de Fernando Collor e, no Planalto,
tentou fazer um governo de grande acordo nacional para tirar o país do caos
econômico e da derrocada moral a que o levara seu antecessor. A ex-prefeita
petista de São Paulo Luiza Erundina, uma exceção, cometeu o "crime" de cooperar
com o presidente Itamar como ministra da Administração e viu-se obrigada a
deixar o PT.
* … combateram sem tréguas o Plano
Real, classificando como "eleitoreiro" o mais bem sucedido programa de
estabilização da moeda da história econômica do país, concebido por equipe reunida pelo ministro da
Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e bancado pelo presidente Itamar. Sem ele,
como se sabe, os proclamados êxitos econômicos do lulalato não existiriam.
* … se opuseram ferozmente a todas as
privatizações que, durante os
dois mandatos de FHC (1995-2003), dinamizaram e modernizaram a economia do
país, aumentaram a arrecadação de impostos, diminuíram o peso do Estado,
melhoraram a competitividade do Brasil no mercado internacional e tornaram o
país terreno fértil para investimentos estrangeiros.
A oposição do lulo-petismo, que não esteve
alheio à participação em atos de hostilidade e mesmo da agressão física a
empresários e autoridades durante leilões na Bolsa de Valores, incluiu a da
telefonia, que permitiu entre outros resultados que o país pulasse em menos de
duas décadas de 800 mil celulares para os mais de 200 milhões que tem hoje.
* … manifestaram-se em 1999
inteiramente contra a adoção de um dos três pilares da estabilidade do país - a
política de câmbio flutuante. No
mesmo ano, declararam-se contrário ao segundo deles, a política de metas de
inflação. No ano seguinte, combateram e votaram contra o terceiro pilar do
tripé que, ironicamente, propiciaria um governo extremamente favorável ao
próprio Lula - a Lei de Responsabilidade Fiscal .
* … inventaram e propagaram uma
campanha de teor golpista e antidemocrática, o "Fora FHC", tão logo o presidente iniciou em 1999 o segundo
mandato, para o qual, derrotando Lula, foi eleito por MAIORIA ABSOLUTA dos
eleitores brasileiros, e no PRIMEIRO TURNO.
* combateram e criticaram, a partir
de 2001, várias medidas da chamada "rede de proteção social" estabelecida pelo
governo FHC, como o Bolsa
Escola, o vale-alimentação, o vale-gás, o auxílio a mulheres grávidas que
fizessem todos os exames do prénatal e o auxílio a famílias que evitassem o
trabalho infantil de seus integrantes. Os distintos programas que Lula e seus
seguidores, na oposição, consideravam "esmola" e parte de uma suposta ação
eleitoreira viriam a ser unificados durante o lulalato e transformados em sua
principal vitrine: o Bolsa Família - utilizado, como todos sabemos como O
instrumento eleitoreiro por excelência.
Por tudo isso, e por mais que se poderia
relacionar aqui, o voto CONTRA o PT em São Paulo se impõe - para impedir que um
projeto hegemônico que, misturando belas palavras e sorrisos com ameaças,
pretende moldar a democracia brasileira a seus desígnios.
Fonte: "Blog do Ricardo Setti"
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