Vamos falar francamente: os jovens da
esquerda revolucionária dos anos 60 e 70 nunca lutaram pela democracia. Não,
pelo menos, por esta que temos hoje e que vem sendo aperfeiçoada desde 1985.
Todos que participaram dos partidos,
movimentos, vanguardas e alas daquela época sabem perfeitamente que se lutava
pela derrubada do capitalismo e pela implantação aqui de um regime tipo cubano.
E se não quiserem ou não acreditarem em depoimentos pessoais, basta consultar
os documentos produzidos por aqueles grupos.
Poderão, então, verificar, que a única grande
divergência entre eles estava no processo. Para alguns, a revolução comunista
viria pela guerrilha a partir do campo, no modelo cubano. Para outros, o
capitalismo seria derrubado pela classe operária urbana que se formava no
Brasil em consequência do próprio desenvolvimento capitalista.
Derrubar o regime dos militares brasileiros
não era uma finalidade em si. Aliás, alguns grupos achavam que a instauração de
uma "democracia burguesa" seria contraproducente, pois criaria uma ilusão nas
classes oprimidas. Estas poderiam se conformar com a busca "apenas" de
salários, benefícios, casa própria, carro etc., em vez de lutarem pelo
socialismo.
Pois foi exatamente o que aconteceu. E, por
dessas ironias da história, sob a condução e a liderança de Lula! Uma vez
perguntaram a Lula, preso no Dops de São Paulo: você é comunista? E ele: sou
torneiro-mecânico.
Uma frase que diz muito. De fato, o
ex-presidente jamais pertenceu à esquerda revolucionária. Juntou-se com parte
dela, deixou correr o discurso, mas seu comportamento dominante sempre foi o de
líder sindical em busca de melhores condições para os trabalhadores da
indústria. Líder político nacional, ampliou seu objetivo para melhorar a vida
de todas as camadas mais pobres, não com revolução, mas com crédito consignado,
salário mínimo e bolsa família, bens de consumo e moradia, churrasco e viagens.
Tudo pelas classes médias.
Mas por que estamos falando disso?
Certamente, não é para uma cobrança tardia. É por causa do julgamento do
mensalão, mais exatamente por causa das reações de José Dirceu, José Genoíno e
tantos outros membros do PT.
Os dois ex-dirigentes condenados deram notas
escritas, cujo conteúdo tem dois pontos contraditórios. De um lado, tentam
passar uma ilusão, a de que lutavam pela democracia desde os anos 60.
De outro, desqualificam essa democracia ao dizer
que a decisão do Supremo Tribunal Federal, poder central no regime democrático,
foi um julgamento de exceção e de ódio ao PT, promovido por elites reacionárias
que dominam a imprensa e a justiça. Eis o velho discurso: a democracia é
burguesa, uma farsa que só favorece os ricos.
Ao mesmo tempo, dizem que a vida do povo, dos
mais pobres, melhorou e muito sob o governo do PT. Ora, em qual ambiente o PT
cresceu, o presidente Lula ganhou e governou? Nesta nossa democracia que, entre
outras coisas, levou a este extraordinário momento: Lula e Dilma indicaram os
juízes do STF que condenaram Genuíno e Dirceu.
O movimento estudantil dos anos 60 e 70 foi
uma tragédia. Foram para a política os melhores rapazes e moças. E a política,
por causa da ditadura local e da guerra fria global, e mais a ideologia
esquerdista então dominante na intelectualidade e na academia, levou à luta
armada.
Tratava-se de um tremendo engano político.
Como acreditar que uma guerrilha dentro da floresta amazônica poderia terminar
com a tomada do poder em Brasília? Estava claro que a nova classe operária,
como os trabalhadores da indústria automobilística, com seu líder Lula, sequer
pensavam em Cuba, mas sonhavam com o padrão de vida dos colegas de Detroit. E
os sindicalistas, com posições no governo.
E assim, jovens idealistas e com o sentimento
de dever, perderam a vida, foram massacrados em torturas, banidos pelo mundo,
famílias arrasadas. É um milagre que tantos deles tenham conseguido recolocar
de pé a vida e estejam aí prestando serviços ao país.
Mas não serve para nada tentar esconder essa
história. Em vez de tentar mudar o passado, melhor seria uma revisão, uma
crítica serena, favorecida pelo tempo passado. Mesmo porque, sem essa crítica,
ocorrem as recaídas que, estas sim, podem perturbar o ambiente político.
Felizmente, a democracia, modelo clássico, de
Ulysses, Tancredo, Montoro, venceu, não sem uma ajuda dos jovens dos anos 60 e
70.
Artigo publicado nesta quinta-feira,
11 na seção "País" do jornal "O Globo"
Um comentário:
E aí!! Eu acho é pouco!
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